A assistência obstétrica no Brasil passa por profundas mudanças. Gradativamente a medicina baseada em evidências vem demonstrando que podemos fornecer uma assistência menos intervencionista, mais respeitosa e dentro dos critérios éticos da autonomia, mantendo ou melhorando os resultados perinatais. O presente texto pretende construir alguns posicionamentos, baseados no conhecimento atual, sobre aspectos relacionados à assistência ao parto eutócico e de risco habitual. Questões como avaliação da vitalidade fetal, partograma, analgesia e outras serão abordadas oportunamente.
Dieta
A restrição da ingestão oral foi recomendada durante o trabalho de parto ativo devido ao risco de pneumonite por aspiração, que pode ocorrer como uma complicação de uma eventual anestesia geral. No entanto, este risco é muito baixo e a restrição da ingestão oral pode levar à desidratação, cetose e prolongamento do trabalho de parto.
Durante o trabalho de parto eutócico, a ingestão de líquidos e de alimentos com baixo teor de resíduos pode ser permitido nas parturientes com risco habitual de necessitarem de uma anestesia geral.
Se necessário a restrição da ingestão oral, no trabalho de parto mais longo deve-se considerar a hidratação endovenosa, bem como a administração de glicose e eletrólitos.
Tricotomia e enemas
Não deve ser realizado a prescrição rotineira de enemas, bem como de tricotomia. Essas intervenções não são benéficas, podem ser incômodas e possuem potenciais efeitos colaterais.
Acompanhantes
As mulheres podem ter acompanhantes de sua escolha durante o trabalho de parto, parto e puerpério. O apoio individual durante o processo de parto pode reduzir a necessidade de analgesia intraparto e aumentar a satisfação da parturiente.
Deambulação e posição
Não existem evidências de alto nível comparando as diversas posições ou a mobilização durante o trabalho de parto e parto em relação aos benefícios clínicos e danos nos desfechos maternos ou perinatais.
Recomenda-se orientar as mulheres a adotarem as posições que lhes sejam mais confortáveis durante o primeiro estágio do parto. Deve-se evitar a posição horizontal em decúbito dorsal, que pode provocar compressão aorto-cava, induzindo hipotensão arterial e bradicardia fetal.
Caso não exista necessidade de manipulação do feto ou complicações previstas, a parturiente pode optar pela posição que acredita ser mais confortável no período expulsivo. As posições semi-sentadas, de cócoras ou laterais (Sims), são as mais comuns. As posições verticalizadas podem encurtar um pouco o segundo período.
Se houver necessidade de instrumentalização, manipulação do feto, episiotomia e/ou partos cirúrgicos, a posição de litotomia é vantajosa.
Imersão na água
O uso da imersão na água, durante a primeira fase do trabalho de parto, parece ser benéfico, pois é um método não farmacológico para o controle da dor, sem aumentar as complicações materno-fetais. Ainda é incerto o momento que pode ser indicado, ou por quanto tempo. No Brasil a experiência maior é com o uso da água em forma de ducha morna ou quente. A parturiente fica sentada em um banquinho ou na bola de Bobath, sob um bom chuveiro. É uma técnica que não exige muitas modificações na estrutura física das maternidades e facilita muito os cuidados de limpeza e controle de infecções. Foi relatado que a imersão prolongada (mais de duas horas) prolonga o trabalho de parto e diminui as contrações uterinas ao suprimir a produção de ocitocina.
Contudo, a imersão em água durante a segunda fase do trabalho de parto não foi associada com o benefício materno ou fetal e existem relatos de graves complicações. Evidências atuais alertam para um maior risco de lesões perineais, possivelmente pela dificuldade de o profissional assistente auxiliar na proteção perineal, ou diagnosticar algum problema. Deve ser restrita para situações de ensaios clínicos.
Pressão manual do fundo do útero
Não existem provas do benefício da realização rotineira da manobra de Kristeller realizada no segundo período do parto. Bem como, são escassas as evidências que tal manobra possa causar algum dano. Em dois estudos clínicos nos quais a manobra foi estudada, não se verificou vantagem, nem desvantagens, em sua realização. Portanto, não deve ser um procedimento de rotina e deve ser desaconselhado. Se a manobra for necessária, numa situação de excepcionalidade, deve ser realizada por profissional experiente, com consentimento da parturiente e devidamente justificada no prontuário.
Episiotomia
O uso rotineiro da episiotomia é desnecessário e deve ser evitado. Fica reservada para partos com alto risco de laceração perineal grave, distocia significativa dos tecidos moles ou necessidade de encurtar o segundo período devido uma situação fetal não tranquilizadora.
Não é indicação de rotina nos partos instrumentalizados ou na distocia de ombros, contudo, pode haver necessidade técnica de sua realização nessas situações. Quando indicada, deve ser media-lateral.
Contato pele a pele e ligadura do cordão umbilical
Se o recém nato estiver vigoroso e for desejo da mãe, o contato pele a pele deve ser realizado, antes mesmo da ligadura do cordão. Pode melhorar a qualidade da amamentação e do vínculo mãe e filho, bem como ser eficiente na manutenção da temperatura corpórea. Quando o recém nato estiver vigoroso, deve-se retardar o clampeamento do cordão em, pelo menos, um minuto.
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