Registrar para advertir: parteiras
Maria dos Prazeres de Souza tem 80 anos e realiza partos desde os 17 anos, assim como sua mãe e sua avó faziam. E ela tem mãos de anjo: já auxiliou mais de 5 mil partos sem nenhuma morte.
É difícil perceber a importância de parteiras quando se mora em uma cidade repleta de hospitais. Mas estas mulheres são rainhas em lugares longe de tudo e de todos. E é por causa delas que as mães dão à luz a um bebê vivo e continuam vivas. No entanto, este ofício está ameaçado pela expansão das casas de saúde. Como forma de se adaptar, muitas delas se tornam enfermeiras e carregam as suas práticas tradicionais consigo.
Alerta através da arte
As antropólogas Júlia Morim e Sumaia Vieira, a psicóloga Dan Gayoso e o fotógrafo Eduardo Queiroga, se juntaram para registrar a vida e o trabalho dessas rainhas, para que suas histórias originadas do sertão chegam no urbano que chamem atenção.
Esta união deu a luz ao livro Cordão, que retrata o cotidiano das parteiras através de fotografias e relatos pessoais. As mulheres aparecem caminhando por paisagens áridas, abastecendo fogões a lenha, descansando em redes e participando de cerimônias religiosas. O livro abrange muito mais do que “partos”. Ele mergulha de cabeça na vida destas pessoas para contar as suas histórias que carregam tradição.
“Meu objeto não era o nascimento. Queria entender quem são as parteiras e como vivem. Elas têm outras profissões e são donas de casa. Via de regra, não recebem nada por acompanhar os partos, mas se tornam líderes em suas comunidades, desempenhando, muitas vezes, os papéis de juíza, psicóloga e assistente social entre as famílias”, revela o Fotógrafo.
Para estas mulheres, ser parteira é uma missão, é um dom divino que foi lhes dado para salvar vidas. Elas respeitam o tempo de cada mãe, as escutam e decidem em conjunto o momento certo.
“Elas estão à frente de seu tempo, várias já têm mais de 80 anos, e praticam a sororidade desde muito antes de o termo virar moda. Elas superam o cansaço de uma rotina exaustiva e contrariam a opinião dos maridos para ajudar outras mulheres nesse momento de vulnerabilidade”, conta a Antropóloga Julia.
Como o conhecimento das parteiras sempre foi transmitido oralmente, os registros escritos, fotográficos e audiovisuais recolhidos pelos pesquisadores estão sendo utilizados em um pedido oficial ao governo para que reconheça o ofício como patrimônio cultural nacional. Para as parteiras, a proposta é a valorização do trabalho de toda uma vida e, para a sociedade, um lembrete de que o cuidado e a atenção no atendimento às mulheres na hora do parto são valores que não podem ser perdidos com o tempo.
Fonte e fotos: Revista Crescer