Pela saúde integral das mulheres
Quando não está percorrendo os leitos da maternidade, orientando os residentes ou dando aulas para o 5º e o 6º anos de medicina, o médico José Guilherme Cecatti pode ser encontrado na sala que divide com dois colegas em um dos prédios do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism) da Unicamp. Nos últimos tempos ele tem dedicado boa parte de seus dias para analisar as informações de um megaprojeto que coordena desde 2009: a rede nacional de vigilância de morbidade materna grave, um dos maiores estudos sobre a saúde da gestante já feito no país.
De julho de 2009 a junho de 2010, Cecatti e seus colaboradores coletaram informações sobre 82.388 partos realizados em 27 maternidades brasileiras. A maioria das gestações transcorreu sem problemas, mas 9.555 grávidas (11,6% do total) tiveram complicações que poderiam levar à morte – destas, 140 mulheres morreram. Investigando esses casos, os pesquisadores tentam mapear os principais problemas de saúde que atingem as gestantes atendidas em alguns dos hospitais mais bem preparados do país, para onde são encaminhados os casos complexos, e conhecer como médicos e enfermeiros lidam com eles. O objetivo é identificar o que poderia ou deveria ser feito e propor ações para melhorar a qualidade do atendimento às grávidas.
Os pesquisadores esperam com essas medidas reduzir os índices nacionais de mortalidade materna, que se encontram estáveis há quase uma década: em média, são 58 mortes em cada grupo de 100 mil nascidos vivos – essa taxa deveria estar abaixo de 35 por 100 mil, se o Brasil tivesse cumprido as Metas de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas. “A morte materna deveria ter uma taxa muito próxima a zero porque atinge pessoas jovens e saudáveis e existe conhecimento para evitá-la”, explica Cecatti.
De modo semelhante a essa pesquisa, os estudos conduzidos no Caism sempre tiveram um forte viés epidemiológico. Essa vocação, porém, nunca afastou os médicos que trabalham ali do objetivo de converter cada avanço no conhecimento em um atendimento melhor e mais respeitoso. “Acho que é por causa desse respeito que essa maternidade tem sido bem qualificada pelas pacientes”, afirma o obstetra Anibal Faúndes, professor emérito do Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp.
Em plena atividade aos 85 anos, Faúndes nasceu no Chile e se naturalizou brasileiro. Ele se instalou na universidade em 1976, três anos depois de ter de deixar seu país de origem por causa do golpe militar em que o general Augusto Pinochet assumiu o poder. Nesses anos todos, Faúndes foi, ao lado de colegas brasileiros e argentinos, uma figura-chave na estruturação do ensino e da pesquisa em ginecologia e obstetrícia na Unicamp, o único programa de mestrado e doutorado nessa área a receber a nota mais elevada (7) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). No Chile, Faúndes realizava estudos em colaboração com grupos internacionais, alguns com apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Pan-americana da Saúde (Opas), e levou essa cultura para o Departamento de Tocoginecologia da Unicamp.
O departamento foi criado às pressas no início de 1966 para ensinar obstetrícia e ginecologia aos alunos da primeira turma da FCM, que na época iniciavam o 4º ano de medicina. Naquele tempo, tudo era novo e cheio de improviso. O próprio curso médico se estruturava segundo a necessidade. Em 28 de dezembro de 1962, o então governador de São Paulo, Carlos Alberto de Carvalho Pinto, sancionou a lei estadual que criava a Faculdade de Medicina de Campinas, atendendo a um pedido da população. A faculdade, que viria a se chamar Faculdade de Ciências Médicas, foi a primeira unidade de uma nova instituição, a Universidade de Campinas (atual Universidade Estadual de Campinas), e devia começar a funcionar já no ano seguinte.
Fonte: Revista Pesquisa Fapesp