Câncer de colo de útero e a luta pela vacinação, rastreamento e tratamento precoce
Em agosto de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) aprovou uma resolução defendendo a erradicação do câncer de colo do útero até 2030. De acordo com a OMS, se todos os países conseguirem manter um índice de casos menor do que quatro a cada 100 mil mulheres, o câncer de colo de útero será eliminado do planeta. Desde então, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) aderiu à campanha e vem promovendo ações de amplo engajamento neste sentido.
O tema é de extrema importância no Brasil, que contabiliza o diagnóstico de 16 mil novos casos por ano, e desses, sete mil vão à óbito. Os números são do Instituto Nacional do Câncer (INCA), que confirma que este tipo de câncer é uma das principais causas de morte entre mulheres. “O câncer do colo do útero é ligado ao HPV, um vírus sexualmente transmissível. Porém, ele pode ser erradicado e, para tanto, estamos participando de uma estratégia para todo território nacional, cuja atuação se baseia em três pilares: vacinação, rastreamento e tratamento precoce. Na questão da vacinação contra o HPV, a meta é que 90% das meninas entre 9 e 15 anos sejam vacinadas. Seria importante também que ao menos 70% dos meninos entre 11 e 14 anos sejam vacinados, apesar desse objetivo não constar oficialmente das metas da OMS e da campanha, já que ela é dirigida predominantemente ao público feminino. Duas doses em um intervalo de seis meses são suficientes para a prevenção do HPV maligno, que causa o câncer, e também do HPV benigno, que causa verrugas pelo corpo. A vacina está disponível gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS)”, fala a doutora Cecília Maria Roteli Martins, presidente da Comissão Nacional Especializada em Vacinas da Febrasgo, doutora em ginecologia e obstetrícia pela Unicamp e pesquisadora da Faculdade de Medicina do ABC.
“Sobre a questão do rastreamento, o que almejamos é que 70% das mulheres realizem um exame diagnóstico com teste efetivo até os 35 e outro até os 45 anos de idade. Nesse pilar, consta também a intenção da substituição do exame do Papanicolau, o único disponível hoje no SUS, pelo teste efetivo contra o HPV, que faz a leitura do DNA do vírus e é muito mais preciso. Queremos ainda que 90% das mulheres identificadas com lesões precursoras ou câncer invasivo recebam tratamento adequado”, completa Dra. Cecília.
Evitando o pior
Apesar de ser passível de erradicação e tratamento, o câncer do colo do útero apresenta algumas características que o tornam perigoso. A principal delas é de que ele é assintomático, ou seja, os sintomas só aparecem quando a doença já se encontra em estágio avançado. “A aplicação da vacina já seria uma solução definitiva. E a importância do rastreamento e o consequente tratamento precoce evitam que ele chegue nesse ponto. Mulheres que têm o hábito de fazer o Papanicolau certamente não terão a doença ou, se terão, poderão tratá-la como uma lesão precursora, quando uma simples intervenção cirúrgica basta para a cura. Em estágios mais avançados o tratamento é muito agressivo, com a aplicação de quimioterapia, radioterapia e intervenções cirúrgicas muito mais invasivas”, explica a doutora Neila Maria de Góis Speck, presidente da Comissão Nacional Especializada do Trato Genital Inferior da Febrasgo, professora adjunta do departamento de ginecologia da Unifesp e coordenadora científica da Associação Brasileira do Trato Genital Inferior.
Quando o câncer não é tratado no início, a mulher pode apresentar sangramento durante a relação sexual, sangramento espontâneo que não corresponde a menstruação, além de dor, secreções incomuns e forte odor vaginal. “Estamos nessa luta há mais de 20 anos sem conseguir mudar essa triste realidade. E apesar do câncer não escolher idade ou classe social, é verificada uma incidência maior em mulheres não brancas (60%) e mais de 2/3 delas com menos de 8 anos de escolaridade. Ou seja, é um problema social também, que atinge mulheres que moram na periferia, ou ainda em regiões remotas do país”, comenta a Dra. Neila.
Câmara Técnica
Uma ferramenta que pode ser utilizada, especialmente para mulheres que vivem longe dos grandes centros, é a autocoleta. Um kit contendo uma escova para raspagem intravaginal e frasco com líquido apropriado pode ser obtido no SUS. O material proveniente da raspagem é encaminhado ao laboratório, podendo inclusive ser enviado pelo correio. Sua análise poderá constatar se existe o DNA do HPV, o que levaria, em caso afirmativo, a outros exames mais específicos.
Além da campanha de erradicação estar voltando ao protagonismo que merece, já que a pandemia da Covid-19 também interferiu nesse processo, outra boa notícia é a iniciativa do Ministério da Saúde em criar uma Câmara Técnica voltada exclusivamente para essa questão. O objetivo é que profissionais da saúde especializados no tema, entre eles a doutora Yara Lúcia Mendes Furtado de Melo, membro da Comissão Nacional Especializada do Trato Genital Inferior da Febrasgo, possam dar à pasta o devido apoio técnico na atualização das ações de prevenção, detecção e tratamento precoce do câncer de colo de útero com foco na garantia de acesso e atenção integral às mulheres.
A doutora Cecília Maria Roteli Martins completa dizendo que “o desafio é enorme. Em 2014, quando a vacinação contra o HPV foi introduzida na rede pública de ensino, sua adesão foi fantástica. Porém, quando passou para o SUS, o resultado não foi o mesmo. Dados recentes mostram que 73,3% de meninas entre 9 e 15 anos tomaram a primeira dose, mas apenas 46,6% têm a segunda dose. Entre os meninos de 11 a 14 anos, as taxas são piores – 36,6% tomaram a primeira dose e apenas 19,2% a segunda – isso é muito pouco”.
Sobre a ampliação de informações acerca da prevenção do câncer de colo de útero a doutora Neila Maria de Góis Speck, afirma que “existe também a preocupação de disseminar conhecimento para todas as mulheres no Brasil, para que entendam o problema como um todo e pratiquem a prevenção. Até mesmo a classe médica necessita de capacitação; muitos profissionais nem ao menos seguem o protocolo sugerido pela OMS, tampouco a diretriz de rastreamento do câncer de colo uterino do INCA, com relação ao exame do Papanicolau. Acabar com tabus e preconceitos e incentivar o apoio familiar a quem tem o câncer do colo de útero são outras questões importantes que necessitam ser postas em prática o mais rápido possível”, conclui.