Instituto Maria da Penha e seu papel vigilante ao cumprimento da Lei

Fundado em 2009, com sede em Fortaleza e representação em Recife, o Instituto Maria da Penha (IMP) https://www.institutomariadapenha.org.br/ é uma organização não governamental sem fins lucrativos. O seu surgimento está diretamente ligado à história de vida de Maria da Penha, que se tornou um símbolo de luta no combate à violência doméstica contra a mulher. Vítima constante de agressões por parte do marido, ficou paraplégica após levar um tiro nas costas enquanto dormia, em 1983. A fragilidade jurídica ficou evidente ao se constatar que o primeiro julgamento do seu agressor só foi acontecer em 1991, oito anos depois da tentativa do assassinato. Mesmo condenado a 15 anos de prisão, seu ex-marido continuou solto. Em 1998, o caso ganhou dimensão internacional e o governo brasileiro foi responsabilizado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras. A Lei veio na esteira dessa condenação, numa tentativa legal de acabar com essa impunidade no Brasil.

Para Regina Celia Barbosa, vice-presidente do IMP, são muitas as contribuições da Lei. “Ela apresenta as providências legais cabíveis a serem tomadas pela autoridade policial nos casos de violência doméstica contra a mulher. Essas providências são de grande importância, vez que proporcionam às vítimas maior proteção, fato não observado antes da vigência da Lei, pois tudo se resumia a lavratura dos Boletins de Ocorrência ou dos Termos Circunstanciados de Ocorrência, deixando as vítimas sem qualquer procedimento satisfatório. Seu Artigo 45 também trouxe mudanças para a lei de execuções penais, onde o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação”, explica Regina.

Ela ainda cita outros mecanismos previstos, destacando-se as medidas protetivas de urgência, que poderão ser determinadas pelo juiz em até 48 horas após a comunicação da violência, mediante requerimento da vítima ou do Ministério Público. A Lei alterou o Código Penal e permite que agressores sejam presos em flagrante ou tenham a prisão preventiva decretada. Estipulou ainda a criação dos juizados especiais de violência doméstica e familiar contra a mulher, para dar mais agilidade aos processos. Desde 2015, o Código Penal brasileiro incluiu como qualificadora do homicídio o fato do crime ser cometido contra mulher em razão das condições do sexo feminino, o feminicídio (Lei nº 13.104/2015).

Para Regina, o grande desafio é garantir a segurança da mulher após a denúncia. “A mulher em situação de violência tem uma jornada a percorrer dependendo do tipo de violência que está sofrendo. Quando ela sofre a violência física, imediatamente deve pedir ajuda aos vizinhos, a polícia. Todavia, isso muitas vezes é extremamente difícil! Portanto, ela deve antever esse momento quando possível, caso sofra continuamente com essas situações, procurando um Centro de Referência de Atendimento à Mulher. O Centro de Referência tem uma equipe multidisciplinar que conta com os serviços de advogada, psicóloga e assistentes sociais as quais, juntas, fornecerão a mulher atendimento humanizado e acolhimento com uma escuta ativa. A partir daí todas as informações necessárias à mulher, desde a questão do processo penal contra o agressor, a ajuda psicológica, como também assistência social a ela e aos filhos (caso seja uma mulher mãe) serão fornecidas pela equipe. Vale ressaltar, porém, que quando a violência contra a mulher ocorre em capitais ou regiões metropolitanas, as medidas protetivas mostram-se mais eficazes. Entretanto, quando ocorrem no interior, por exemplo, as garantias públicas são frágeis, precárias, colocando em risco a vida de quem denuncia a violência. Nessas regiões e diante desse fato, as mulheres tendem a silenciar, o que é terrível. Quando isso acontece, fica evidente a inoperância das políticas públicas, sejam do Brasil, de seus estados ou municípios”, finaliza Regina.

História de vida real

Nossa personagem, que aqui terá seu nome completo preservado, é a Manu, tem 37 anos, muitos deles vividos em situações extremas. Manu, tem paralisia cerebral por conta de complicações no parto, apresenta problemas na coordenação motora – precisa da cadeira de rodas para se locomover – mas tem o aspecto cognitivo completamente preservado. Manu viveu dois tipos de violência: contra a mãe e contra si própria. “Meu pai se separou da minha mãe quando eu tinha seis meses de vida. Dez anos depois, minha mãe arrumou um companheiro. Quando eu tinha 12 anos, nasceu minha irmã, fruto desse relacionamento. Nessa época as coisas ainda estavam boas, muito por conta da presença da minha avó, que morava conosco. Ela faleceu uma semana antes da minha irmã nascer. E somente duas semanas após a vinda dela ao mundo, tudo começou a mudar”, conta.

O padrasto, que crescera em um ambiente violento, começara com agressões físicas e verbais contra a mãe. “Era com muita frequência, toda a semana. Tapas, empurrões, xingamentos. Chamávamos a polícia, e quando ela chegava, não acontecia nada. Meu padrasto se acalmava e fazia um teatro na frente dos policiais. Como não havia sangue, nem marcas aparentes de violência, os policiais iam embora. Passaram a não mais atender nossos chamados depois de algum tempo, porque pensavam que era uma briga comum, entre marido e mulher, e que logo tudo voltaria ao normal, só que não”, explica Manu, que é estudante de jornalismo.

Os extremos da violência física foram caracterizados pelo rompimento de um dos tímpanos da mãe. “As agressões físicas são terríveis, mas as verbais parecem entrar na sua alma. Era desesperador viver naquele ambiente, até que saí de casa aos 18 anos, por não suportar mais tudo aquilo. Meu padrasto era sufocante em todos os sentidos, eu não podia falar com ninguém, chegou a agredir amigos meus por conta de ciúmes. Voltei para casa três anos depois, assim que minha mãe finalmente pôs um fim no relacionamento. Ela aguentou tudo aquilo por conta da minha irmã, pequena na época”, diz Manu.

Quando tudo começava a correr bem, a mãe, que sempre trabalhou, sustentando a casa, foi acometida por um câncer no intestino e veio a falecer. Manu tinha 27 anos e a irmã, 14. “Ganho um salário mínimo, nos viramos como dá e estou estudando jornalismo, quero seguir nessa profissão pela qual sempre fui apaixonada”.

Vivendo a violência contra si

Além das situações enfrentadas pela mãe, ela própria sofreu com um tipo de violência terrível, a de ser molestada. “Por conta de estar na cadeira de rodas, preciso de auxílio para algumas tarefas, entre elas de higiene. Em alguns momentos, parentes meus se aproveitaram da situação e tocaram em partes íntimas do meu corpo. Diziam não ter intenção, ser ‘sem querer’, mas eu sabia que não. Eu era adolescente na época, e fiquei com medo de exteriorizar essas situações. Temia pela minha mãe e irmã de sofrerem retaliações”, relata Manu.
Nesses relatos, um dado importante: a Lei Maria da Penha simplesmente não existia. “Acredito que após a promulgação da Lei, muitas mulheres se sentiram encorajadas a denunciar a violência doméstica. Não foi o que aconteceu comigo, infelizmente. A Lei veio para ajudar na mudança desse cenário, acho que as mulheres agora se sentem mais amparadas. Mas ainda há muito para avançar”, finaliza Manu.