Precisamos falar sobre depressão pós-parto

Luciana* retrata um típico caso de depressão pós-parto. Aos 24 anos,  engravidou pela primeira vez. Uma gestação desejada e tranquila. O parto também correu bem. No entanto, no dia seguinte ela se sentiu estranha. Natural estar à flor da pele nesse momento, pensou. Mas, semana a semana, o mal-estar continuava. Ela teve dificuldades para amamentar e foi complicado lidar com divergências familiares sobre a questão.

Até se acertar com o aleitamento, dois meses se passaram — e ela se enxergava cada vez mais só e sobrecarregada. Não conseguia dormir, mesmo exausta. A irritação era grande e o choro, constante. Nem a evolução da criança, que no começo a deixava feliz, a alegrava mais. Em seu íntimo, questionou-se: “Por que fui ter um filho?”.

A certa altura, intuiu que a angústia podia estar além da conta. Comentou com o marido na época: “Acho que estou com depressão”. Ele descartou a hipótese. Achava que, se o problema fosse esse, a esposa não sairia da cama.

Ao desabafar com a sogra, Luciana ouviu que, caso estivesse mesmo sentindo “isso”, teria que se afastar da criança. “Ela me apavorou. Passei meses fingindo que aquilo não era comigo. E não falei com mais ninguém a respeito.”

Quando a pequena completou 1 ano, Luciana iniciou a psicoterapia. E ouviu da profissional a confirmação de sua suspeita: estava vivendo uma depressão pós-parto.

Situações como essa são bem mais comuns do que se imagina. No Brasil, o transtorno atinge uma em cada cinco mulheres. O quadro pode se iniciar logo no primeiro mês de vida da criança ou até um ano depois. Cerca de 50% dos casos, na verdade, começam ainda na gestação, só que não são detectados.

O puerpério é um período naturalmente delicado, em que a mulher encara sua fragilidade física, psíquica e social ao mesmo tempo. O corpo está se recuperando do parto e os hormônios, mantidos em alta durante a gravidez, despencam, prejudicando o humor. Adaptações precisam ser feitas nas relações consigo mesma, com o parceiro e com o filho.

Além disso, é necessário um rearranjo de condições materiais e objetivas que garantam os cuidados da criança. “São pelo menos três situações de fragilidade que trazem sobrecarga e tornam o risco de adoecimento psíquico maior do que em qualquer outra época não patológica da vida”, explica a psicanalista Vera Iaconelli, diretora do Instituto Gerar, em São Paulo.

Para a maioria das mulheres, a soma desses fatores leva a um quadro chamado baby blues, que, embora inclua aspectos depressivos, tende a passar sozinho, como uma fase de adaptação. Mas parte delas evolui para a depressão em si, com sintomas mais numerosos, intensos e duradouros.

Episódios anteriores da doença (especialmente quando não devidamente tratados), contratempos surgidos na gestação, dificuldades conjugais, entre outras questões, podem contribuir para desencadear o distúrbio.

Os indícios centrais do problema no pós-parto são os mesmos de qualquer depressão: perda de motivação e prazer, além de uma sensação permanente de vazio e melancolia. Só que a falta de vitalidade torna a tarefa de cuidar do bebê mais difícil do que já é, causando sofrimento extra.

Pode haver sensação de incapacidade e até desinteresse pela criança. Em alguns casos, por um tempo, o parceiro, os familiares ou os outros cuidadores terão o importante papel de garantir que o bebê receba atenção e afeto.

Quando há o tratamento, são grandes as chances de a pessoa se recuperar e sair fortalecida. “A depressão nos dá oportunidade de olhar para um sofrimento que não estava sendo visto. É como uma febre, que sinaliza que algo não vai bem. Uma vez que você trata, não precisa repetir”, observa Vera.

A diferença entre depressão pós-parto e baby blues

Esse quadro atinge 70% das mulheres no pós-parto e é caracterizado por sintomas típicos da depressão, mas em menor grau e duração. Falta de energia, choro fácil e irritabilidade costumam surgir no segundo ou terceiro dia após a chegada do bebê, intensificam-se e, em seguida, vão se diluindo. Ao todo, duram, em média, duas semanas.

Ajuda familiar, orientação profissional e suporte de grupos de mães podem contribuir para a adaptação às mudanças drásticas dessa fase. Se as coisas não começam a melhorar após esse período, é o caso de avaliar a evolução para uma depressão propriamente dita.

 

Fonte: Saúde Abril